Claudio Seidji Kokubo
São Paulo, Cidade Universitária, dia de sol, 8h da manhã. Foi esse o cenário onde aconteceu, no último dia 04, a primeira palestra da nova edição do “Descubra a Amazônia, descubra-se Repórter“, projeto anual que faz parte do “Repórter do Futuro“, uma parceria da Oboré com a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e o Instituto de Estudos Avançados da USP (IEA/USP).
O auditório do IEA foi preenchido por repórteres da TV Brasil e 25 estudantes de comunicação, vindos de 13 faculdades do estado de São Paulo. Para a maior parte dos jovens alunos, a maior floresta equatorial do mundo ainda não passa de uma mancha verde distante – em todos os sentidos – no mapa do Brasil. O projeto irá ajudá-los a realizar uma imersão floresta adentro e, assim, entender um pouco mais sobre os motivos que tornam a Amazônia importante para a saúde do planeta.
O encontro estava marcado para as 8h da manhã, com o combinado de todos levarem um prato de comida e desfrutarem de um gostoso café da manhã em conjunto. Aos poucos, os estudantes foram chegando e, com olhares ainda tímidos, começaram a se cumprimentar. Alguns comentavam das dificuldades para encontrar o local, outros preparavam a mesa do café e os demais observavam a paisagem arborizada da USP.
Às 8h30, o físico Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da USP, membro do grupo de cientistas do LBA (experimento de grande escala da biosfera e atmosfera da Amazônia) e do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), deu início à sua conferência. Segundo ele, os cientistas brasileiros buscam responder diversas questões sobre a Amazônia, mas sintetizando todas elas é possível obter duas bem importantes: “Como a Amazônia funciona como uma entidade regional, como se dá o seu ciclo de água, do carbono, nutrientes, radiação solar, queimadas etc? E por que a Amazônia é um ecossistema único em relação a todos os outros do planeta?”. A complexidade e grandiosidade amazônicas, tanto em tamanho quanto importância, foram os assuntos que permearam a palestra, e, de forma didática, Artaxo conseguiu abordar questões relevantes que pairam sobre os mistérios da região.
Entre tantos temas, Artaxo explica as vantagens de pesquisas feitas na Amazônia sobre as interações biológicas aos processos químicos atmosféricos e como o entendimento de tais processos permitem um avanço significativo na compreensão da complexidade do lugar e de outros biomas do mundo. Segundo ele, a maioria dos cientistas ignora o fato de que os processos biológicos ou a vida em si controlam a composição da atmosfera, no entanto ele ressalva que esse estudo não é feito por falta de conhecimento da comunidade cientifica e sim por falta de interesse. “Hoje em dia a ciência sabe muito pouco para ter uma ideia mais completa do que de fato acontece na natureza”, afirma. Uma compreensão mais apurada, poderia ajudar nos estudos das consequências das mudanças climáticas globais. “Estão vendo essas três partículas?”, questiona, apontando o quadro onde expõe sua apresentação. Sob olhares intrigados, responde: “São algas microscópicas coletadas em nuvens da região Amazônica a 10 km de altura, e o mais incrível, estão vivas, ativas e se reproduzem dentro de uma gotícula de nuvem”.
Do ponto de vista científico essa descoberta não é pouca coisa. “Essas algas se alimentam e produzem subprodutos que podem alterar a composição da nuvem e afetar sua capacidade de precipitar. No entanto, são questões que a comunidade científica ainda está muito longe de entender”, ensina Artaxo. Ainda em relação às precipitações, ele diz que mesmo com a existência de estudos muito bem estruturados sobre as influências de gases emitidos pelas queimadas nos ciclos das chuvas da região, não é possível notar nenhum aumento ou nenhuma redução nas precipitações. Na verdade, foi notado que ao longo de 30 anos, em Rondônia e sul do Pará, houve uma redução nas precipitações e em outras regiões, aumento. “O que a comunidade científica pressupõe é que as queimadas estão redistribuindo as precipitações, e não aumentando ou reduzindo, como se acreditava, pois a quantidade de vapor de água que entra no sistema e é processado pelas plantas é o mesmo”, conclui.
Com essa primeira palestra, já se comprova que, de fato, a região amazônica é um ponto singular do planeta, cheia de particularidades, um extenso e complexo sistema de interações biológicas, vegetais e humanas cuja ciência lentamente caminha para entender.